terça-feira, 27 de outubro de 2009

Uma tarde com sua Santidade o Dalai Lama





Imagine a cena: um estádio lotado, sem um único assento à vista disponível. Bem lá embaixo, sob as luzes dos holofotes, uma pessoa entra no palco, humilde e lentamente. No mesmo instante, todos os 14 mil espectadores presentes levantam-se e, respeitosa e efusivamente aplaudem. Aplaudem. E não param de aplaudir. Ouvem-se até alguns assobios – incomuns nas platéias comportadas do Norte - e gritinhos animados, todos expressando a profunda alegria em ver a tão esperada figura. Não, não se trata de nenhum rock-star, ou bonitão de Hollywood ou qualquer outra celebridade do momento. O astro em questão – pasme - é um senhorzinho frágil e careca, com um nome bem do esquisito: Tenzin Gyatso. Mais conhecido como o 14º Dalai Lama.

Não houve como não se emocionar vendo o respeito com o qual o líder tibetano foi recebido e tratado pela platéia do Centre Bell naquela tarde de sábado, chuvoso, em Montreal. E o carinho e humildade com os quais ele, por sua vez, dirigiu ao público. Nada soava pomposo e cerimonioso, a tarde tinha uma informalidade agradável e inesperada. Dalai Lama é um homem surpreendentemente despretensioso, descomplicado e muito bem humorado. Sua Santidade rejeita o pedestal e o lugar sagrado, parece mesmo um mortal como um de nós. E faz questão disso. Que o diga o menininho budista que o recebeu, protocolarmente, no palco. Quando menos esperava, Dalai Lama, sorrindo, agarrou gentilmente e alisou a pequena carequinha de 7 ou 8 anos com todo o afeto que podia e abençoou a criança.

Em seguida, tirou os sapatos, sentou na grande poltrona no palco e, de pernas cruzadas como um garoto, ainda sob os aplausos, acenou, cumprimentou e agradeceu generosamente. E de lá, falou por mais de 2 horas, pausadamente (acompanhado por dois intérpretes), sempre com um tom simpático, sereno e com ótimas tiradas. Logo no início, pediu para diminuírem a luz que vinha em seu rosto, para que assim pudesse ver melhor as pessoas da platéia. Ato espontâneo e revelador, de quem realmente se interessa em ver o outro. Atendido mas ainda incomodado com os holofotes, tratou de colocar uma viseira vermelha para que a luz não o atrapalhasse – e o fez dando uma risadinha de alguém que sabe que está aprontando. Tirou gargalhadas da platéia. Afinal, a imagem de um monge budista de boné é no mínimo engraçadinha.

Em seguida, o religioso foi logo avisando com sua voz grossa e doce, e um inglês cheio de sotaque: “Estou aqui para falar não como budista, nem como religioso, mas como ser humano, para outros serem humanos.” Para quem achou quem estava cética e duvidosa (como eu, confesso), ele me conquistou aí. Ganhou toda minha confiança e interesse.

Em seguida, começou seu discurso que tratou, basicamente, sobre Compaixão. Compaixão pelos familiares, estranhos e até pelos inimigos. “Compaixão é respeito, é calor humano, vem no sorriso. A distância trás animosidade, raiva e solidão.”, disse. Afirmou ainda que, segundo os cientistas, as pessoas que têm compaixão pelos outros e são altruístas, tem o sistema imunológico mais forte. E, por isso, são mais saudáveis. Na contramão, aqueles que falam muito as palavras “eu, mim e meu” têm mais chances de ter um ataque cardíaco, veja só. São esses tipos que geralmente se fecham ao mundo exterior e enfrentam a solidão e a falta de confiança nos outros. Para Dalai Lama, “somos animais sociais e precisamos de contato e compaixão nas nossas relações”.

Um dos momentos em que foi mais aplaudido aconteceu quando foi perguntado sobre a educação das crianças. Com seu senso de humor, afirmou: “Não sou expert nisso”, e o homem de 74 anos que, por motivos óbvios, nunca foi casado, riu. “Mas posso afirmar que os pais têm que tomar conta do coração e do cérebro dos seus filhos. Educação sem coração é perigoso e coração sem educação pode não ser perigoso...mas não há progresso!”. E gargalhou novamente, assim como toda a platéia. Além disso, “Os pais devem passar mais tempo com seus filhos.” O público aplaudiu, dessa vez, euforicamente.

Por fim, o vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1989 concluiu: “Se você faz alguma coisa que traz felicidade para o outro, é você quem ganha.” E, desde aquele sábado, 3 de outubro de 2009, é o lema que pretendo carregar vida afora. Assim como a mensagem de bondade e compaixão, a admiração, o carinho pelo semblante sereno e o sorriso puro daquele senhorzinho simpático e sábio que tive a honra e o prazer de encontrar e passar uma tarde ouvindo-lhe falar da vida. Figura que quando vejo pela TV estranhamente me parece tão familiar e próxima. E me lembro, de repente, de que ele é universal, e grande: sua Santidade - o Dalai Lama.



“My religion is very simple. My religion is kindness.” – Dalai Lama

Um comentário:

Tanylle disse...

Poxa Lú, não sabia da vinda dele...se soubesse teria tb!!

Bjos